Eu saí do meu último trabalho registrado em abril 2014. Desde então eu raramente gerei renda suficiente para pagar minhas contas. Quando as contas não fechou, saquei meu FGTS, também toda minha aposentadoria privada, peguei dinheiro emprestado e o auxílio do governo (dos EUA) e vendi algumas coisas para comprar outras. Não estou reclamando. Não herdei dinheiro mas tenho muito apoio financeiro da minha família materna que supera todas as necessidades da minha filha. Sempre que eu acho que o dinheiro vai acabar, um job aparece ou um milagre acontece. Só estou dizendo que não tenho grana para adotar um gato (só telhar minha casa custará 6000 reais! sem pensar na ração e cuidados necessários) ou viajar para a praia (qualquer uma). Conforme qualquer medida, sou um fracasso.
Em junho 2013, logo após a primeira manifestação (em qual eu fui espectadora), eu estava voltando para casa de ônibus. A segunda manifestação parou trânsito e os outros passageiros começaram reclamar dos vagabundas sem trabalho com nada melhor a fazer na vida. Um cara disse, “sou trabalhador, tenho muito mais a fazer do que passear na rua.”
Nunca vou esquecer aquilo.
As manifestações iniciaram para protestar contra o aumento das tarifas em São Paulo. Exatamente para aquele trabalhador não precisar pagar mais para ir trabalhar. (temos que falar mais sobre junho 2013 outro dia…)
Depois daquele momento, eu comecei prestar atenção em quanto o discurso Brasileiro, independente de partido e/ou classe, valoriza o trabalhador.
Políticas, mais ainda da esquerda, falam sobre os trabalhadores e a necessidade de defender o trabalhador. Meus vizinhos têm claro que traficantes e "bandidos” não são trabalhadores. Pessoas no facebook gostam de dizer que os trabalhadores não sofriam durante a ditadura. Implícito em todas essas falas é a noção que quem trabalha é honesto, certo, bom.
Pessoas da elite não se identificam como trabalhadores, mas vivem para mostrar quanto são ocupadas e atarefadas. Busy, busy, busy. Quanto menos tempo você tem, mais importante sua existência.
E todos e todas vivem assim para conseguir ter coisas. Para atingir novos patamares de consumo.
Optei em viver de arte. Ninguém pediu isso ou incentivou minha decisão. Pessoas queriam que eu fosse professora de inglês ou gerente de banco, qualquer coisa menos artista independente sem renda. Melhor fazer algo que qualquer um pode fazer E ter dinheiro do que viver sua existência única com instabilidade financeira. Né?
Faz 8 anos que eu não tenho horário para cumprir ou posso dizer que eu sou trabalhadora. Por 7 desses 8 anos, eu sofria para não ser mais produtivo, mais lucrativo, mais trabalhadora.
Mas agora não sofro mais.
Minha melhor amiga, a pessoa mais importante na minha vida depois do meu parceiro e minha filha—ou seja, me conhece mega bem—disse ontem, “deve ser fantástico não trabalhar.” Se fosse o ano passado, teria ficado defensiva e dito “eu trabalho sim!” ontem eu simplesmente disse, “sim, fantástico.”
No último ano, eu escrevi uma coleção de 9 contos e mais 35.000 palavras de um livro sobre Carandiru, eu aprendi xilo e fiz alguns lambes-lambes com serigrafia. Agora estou aprendendo tipografia e encadernação. Pintei 4 murais e comecei minha prática de aceitação de morte. Desenhei stickers e marcadores de páginas e me mergulhei no mundo de colagem.
Quando alguém que eu amo me liga, sempre atendo. Reparei meu relacionamento com meu irmão e fortaleci minha amizade com o professor que me apresentou o mundo de gravura. Invisto diariamente no meu relacionamento romântico, que eu acho que é o melhor do mundo. Acompanho todas as demandas emocionais da minha filha e raramente falo para ela que eu estou ocupada ou não posso ouvir que ela quer dizer.
Tenho muito orgulho da minha existência, mas sim, não trabalho como vocês trabalham.
Vivo conforme minhas demandas e meus desejos.
Distendi meus quadriceps na terça da semana passada, e passei um bom tempo todos os dias desde então aquecendo e alongando o músculo. Quarta, o dia seguinte, eu tava sem energia e fiquei assistindo um programa no netflix (Vida Após a Morte com Tyler Henry, não recomendo mas serviu). Revisei um texto que eu escrevi para um free-la mas além disso não fiz nada para gerar renda. Passei 24 horas no fds sem olhar meu cel, note, a televisão ou criar arte e escrever.
Vivo uma vida sem fama ou riqueza, sem tumulto ou turbulência, sem métricas ou medidas. Vivo uma vida plena, simples e perfeita.
É bom demais não servir para o mercado capitalista, não ser mais um/a trabalhador/a. Não é fácil. Acredito eu que é a escolha mais difícil que podemos fazer na vida mas vale cada instante.